terça-feira, 29 de julho de 2008

O XAMÃ




O XAMÃ


Num instante em meu pensamento, percebi que estava numa floresta, da minha infância, onde meus risos inocentes ainda ecoava. Olhava para o ipê, tão avivado nas minhas brincadeiras marotas, via tudo que mais desejo da vida, felicidade, paz, harmonia, busca. Uma mistura de mistério e conhecimento inundava minha mente, quando tocava suas belas flores, em seus galhos, que tanto subia na meninisse. Quando mais notei, pude olhar para a frente, e ver um senhor idoso, com aquele olhar todo especial que só mesmo um sábio têm. Tinha suas vestes, roupas simples, com peles de animais e muitas penas coloridas; seus cabelos bem longos, não escondiam a marca da idade em seu rosto, mas nenhuma ruga; era um índio, um velho índio. Fez uma mensão com a mão, num gesto de carinho, me chamou para perto dele. Como que dominado por uma magia, fiquei espantado, com o cordial chamado, pois bem sei que estes nobres senhores são bastante reclusos. Minha timidez bateu, mas buscava não ouvi-la e logo pude perceber, era meu ego que me atrapalhava. Quando cheguei perto daquela figura, pegou na minha mão, como um neto, e começou a me levar para floresta adentro. Andamos por bastante tempo na mata, a todo momento, ele via uma flor ou planta, fazia um gesto para eu sentir seu perfume ou tocá-la, sentir na natureza, a leveza da grama, a doçura da fruta, a largura das árvores, a sabedoria do cipó, o conhecimento da formiga. A felicidade me tocou, “vovô” me ensinava sua visão da natureza, sua casa, onde provavelmente ele passou toda a vida. Num certo momento, ele apontou para uma trilha na mata, que subia uma suave colina, cheia de unhas-de-gato e cipós trançados, toda fechada por uma mata espessa, escura, com marcas de não ter sido utilizada por muito tempo. Aquele lugar me lembrava tudo de ruim, desarmonia, feiúra, ameaça. Vovô, num gesto de compaixão, tocou minha cabeça, afagando meus cabelos, finalmente falou:

- Não se assuste, meu filho. Seu protetor estará sempre com você.

Quando eu ia fazer aquelas perguntas inúteis, como “você fala”, “sabe minha língua”, ele tocou meu lábio, num gesto carinhoso de “não perca seu tempo” e fez novamente um gesto para que eu seguisse por aquela trilha. Juntei toda a coragem que dispunha, apertei bem as mãos, engoli seco, mas entrei. Subia aquela trilha limbosa, sempre olhando para trás, via vovô no começo, me observando, sorrindo num ar de confiança. Resolvi imitá-lo: Se ele me pediu para subir é por que ele acredita em mim. Vou confiar. O caminho foi ficando cada vez mais íngreme, com muita pedras escorregadias, tendo que me abaixar para poder continuar subindo, apoiado nos cipós que desciam colina abaixo. Cheguei num local um pouco mais plano, menos escuro, onde eu pude descansar um pouco. Admirava as árvores, seus frutos, quando notei que uma cobra estava bem perto de mim, nos meus pés, arrastando-se pela mata, deslizando rapidamente. Subiu no meu pé e eu estaquei de medo, fechei os olhos esperando o bote, rezando para que não fosse picado. Um milhão de coisas passou pela minha cabeça, e não sentindo nada, resolvi dar uma olhada nos pés, e notei que nem mesmo a cobra estava lá. Ela só queria passagem. Suspirei aliviado, soltei os nervos e me sentei um pouco. Meti a cabeça entre as pernas, para refletir um pouco. O que era aquilo? Por que estou aqui? Que vovô espera de mim? Que encontrarei lá em cima? Seguia mais pensamentos na minha mente, quando pude ouvir a voz de vovô novamente:

- Não pense. Sinta.

Olhei para trás esperando ver vovô, mas ele não estava lá. Um enorme medo me bateu. Pensei em fugir, mas algo me impulsionava, dentro de mim, para seguir meu caminho, mesmo tendo este medo como meu maior obstáculo. Levantei e não pude deixar de chorar. Sentia-me como uma criança que não conseguia encontrar seus pais, presa num quarto escuro. Não, eu tenho que continuar, pensei. Enxuguei as lágrimas e dei um passo na direção da trilha, devagar, dei outro, com os olhos fechados, os abri, vi que não mais tinha medo, uma confiança interior me tomava, meus passos se aceleraram, logo eu andava normalmente na mata.

- Isso meu filho, isso.

Não via vovô, mas o sentia no meu coração.
Já andava a bastante tempo, não tinha noção de horas, mas sentia meus músculos reclamarem. Numa nova planície se apresentou, já bem alto naquela colina. Meus pés agradeceram, já não mais aguentavam subidas íngremes limbosas. Minha felicidade logo passou, percebi que existia mais de uma trilha, seis trilhas, uma em cada direção. Novamente a angústia me tomou, um medo terrível de me perder na mata veio. Me perguntava “ E agora”, “ Que farei”, então senti vovô no meu coração, sua voz me tocou:

- Observe. Você não está sozinho.

Comecei a buscar freneticamente por alguém naquele mata, mas só achei uma coruja. Decepcionado, disse em voz alta:

- Mas vovô, aqui só tem uma coruja...
- Só um coruja? - ouvi na mente – Então você esta bem guardado...

Olhei para aquele animal, que me observava fortemente de uma árvore alta, notei que ele me olhava curiosamente, como se pudesse falar comigo. Não era uma coruja comum, pelo menos não parecia. Cheguei perto dela, em baixo do galho onde ela estava. Fiquei olhando para ela, naqueles olhos grandes e curiosos, mas logo me voltei para meu problema. Onde está o caminho certo?

- Quem não sabe, pergunta.

Perguntar? Para um animal? Isso soava ridículo. Minha razão estranhou, dizia que eu estava ficando louco, mas meu coração dava sinais de alerta. Sentir, não pensar. Criei coragem e perguntei:

- Coruja, por favor, qual é o caminho que eu devo seguir?

O animal esticou-se um pouco, fez um movimento para trás e saltou, abrindo suas asas no ar, batendo-as e planando, até pousar no galho de uma árvore ao lado de uma trilha. Com a cabeça, mexeu o bico em direção àquele caminho. Este era o certo. Meu coração saltou de alegria, tudo o que me foi ensinado sobre os animais estava errado, meu coração estava certo. Corri até a direção da coruja e agradeci:

- Obrigado, nobre coruja.

Ela piscou os olhos, e soltou um longo piu, como se tivesse respondido minha pergunta.
Segui alegremente este novo caminho, notando que cada vez que subia mais, maior era minha alegria, a beleza da mata então, maravilhosa. Já não era tão íngreme esta subida, quase plaina na verdade, mas ainda um tanto escorregadia. Percebi que cada vez era menor o numero de árvores, a medida que eu chegava ao cume. Talvez lá em cima seja um gramado, com árvores baixas e mata rasteiras, pensei. Agora o caminho nivelou novamente, mas agora com uma clareira. Pude ver que era noite, as estrelas brilhavam sem parar, uma infinidade, até mesmo as constelações mais conhecidas eram facilmente identificadas. Distraído, não percebi que não estava sozinho. Dessa vez, não era um animal, mas um homem.

- Ora, que você faz aqui? - Disse o homem.
- Quem é?

Um rapaz bem vestido, com vários anéis e colares dourados se apresentou na minha frente. Ele estava na sombra de um árvore, não via seu rosto, mas ele usava terno, gravata, levava consigo uma pasta e um livro na sua mão, com um terço. Ele deu um passo a frente, e quando vi seu rosto dei um grito, era eu mesmo. “Como é possível?”, pensei.

- Vim te avisar sobre você.
- Sobre mim?
- Isso. Quero lhe trazer novamente para o caminho da verdade.
- Mas como você veio parar aqui?
- Um filho de Deus pode tudo. Estou com a palavra.

Quando disse isso, pegou o livro com as duas mãos e me mostrou, a Bíblia. Notei um ar de sarcasmo em suas palavras. Ele parecia um homem tomado, fanático, uma ameaça. Ele tirou da bíblia um terço, todo rendado e bem rico. Tinha uma cruz toda dourada, trabalhada com prata no ouro. Era brilhante.

- Venha comigo. Vou te mostrar a lei de Deus
- Não. Eu preciso chegar até o topo.
- Pra quê? - gritou – Para se encontrar com aquele filho do diabo?
- Não chame o vovô de diabo!
- Vejo que você também é um. Vou purificar sua alma. Pelo fogo!!!
- Nunca. Seu falso.

Ele pegou o terço e num gesto, o transformou num chicote. Me assustei e pensei em em fugir, mas meu coração dizia para eu ficar. Ele bateu com o chicote no ar, e fez um barulho terrível. Eu procurava algo para me defender, mas nem mesmo um galho no chão eu encontrava. Ela ria muito, com os olhos vermelhos e esbugalhados, com uma feição assassina. Ela não era um mensageiro de Deus, mas sim um ser disfarçado. Ele começou a avançar em minha direção, e eu pronto para fugir ouvi um barulho na mata, virei na direção e vi um Lobo-Guará sair de uma moita. Ele era de uma aparência meiga, com pêlo marrom-claro, no rosto creme e branco. Um lobo muito bonito. Este animal passou por mim e se prostou na minha frente. Sentou no chão entre mim e o homem louco. Ele, olhando para o lobo disse:

- Saia da minha frente, ser do demônio. Eu vim purificá-lo.

O lobo nem se mexeu. Aquele homem andou em sua direção e preparou um golpe. Rindo alto e babando, o homem desferiu um golpe, que foi rapidamente detido pelo lobo, que o atingiu uma mordida na perna, fazendo com que ele soltasse o chicote. Ele gritou de dor, mas o lobo não mordeu fundo, apenas o feriu na perna. Ele soltou também a bíblia, e assim que se viu livre do lobo, correu em direção da mata. Sumiu. O lobo se virou para mim, e me fez uma reverência. Eu, mesmo estranhado por este gesto, respondi da mesma forma. O animal pegou a bíblia com a boca e me entregou. Quando eu olhava para a bíblia, ele deu um latido agudo, e começou a andar na mata. Não sei bem o motivo, mas resolvi segui-lo. Andei mais um pouco, agora bastante íngreme, segui o lobo até onde eu pude, mas logo ele desapareceu. Quando notei isso, parei no meio da caminho e comecei a pensar. “Pra onde estou indo?”, “Que farei nesta mata fechada?”. Sentei na mata e fiquei em silêncio um pouco. Quando quase adormeci, quando ouvi o crepitar de uma fogueira. “Uma fogueira, aqui?” pensei. Comecei a sentir o cheiro do fogo, e seguindo o cheiro da fumaça, atravessei uma parede de musgo e unha-de-gato e pude verificar eu estava no cume. Era todo gramado, perto de um precipício, de onde eu podia ver toda a terra tomada pela mata. Era um lugar mágico. Bem no meio, havia uma fogueira, onde via duas formas sentadas em volta dela. Um, eu podia perceber que era o Lobo-Guará, que me ajudou a pouco, e outro uma forma humana, que fustigava o fogo com um galho. Me aproximei emocionado, pois logo confirmaria minha suspeitas desde o princípio, era o vovô.

- Venha se sentar conosco, meu filho.

Sua voz era confortante. Me adiantei para chegar logo na fogueira, e um lugar reservado para mim, ao lado de vovô, estava pronto, com um prato de barro com comida e um chifre, com bebida. Antes de me sentar, abracei vovô, já sentia sua falta, e ele me correspondeu carinhosamente. Limpou minhas lágrimas e disse num tom de voz que mais parecia um mantra:

- Não chore. Seu teste já acabou. Agora, vamos desfrutar de sua conquista.

Eu fiz o que ele me disse, sentei na frente do prato e comecei a comer. Era uma preparado de mandioca com milho, e um pouco de verduras. A bebida era vinho, o melhor que já tomei, com sabor de ervas. Assim que comi e bebi demoradamente, saboreando tudo, meu vovô me esperava com calma e alegria, cantando musicas de sua gente, num tom que parecia que o lobo acompanhava com uivos. Vovô acabou de cantar, fez uma reverência e virou para mim.

- Você foi testado. Não se conhece uma pessoa até que se testa ela.
- Eu fui aprovado?
- Sim. Se não tivesse passado, o Lobo não teria ido em seu auxílio.
- Quer dizer que eu teria sido castigado por aquele homem?
- Talvez...
- Vovô, para que o senhor me trouxe aqui?
- Estava na hora de você aprender sobre seu poder.
- Que poder?
- O poder da sua alma. Ou você acha que você é uma alma finita, separada de Deus como aquele homem louco acredita?
- Não, eu acredito que ela seja infinita.
- Que bom...
- Mas vovô, tenho perguntas...
- Você terá que encontrar as respostas sozinho...
- Como? O Senhor vai me abandonar?

Depois de eu ter perguntado isso, vovô se levantou, pegou algumas sacolas que ele tinha deixado no chão, chamou o lobo e disse:

- Nunca te abandonarei. Seu xamã, o lobo, sempre te protegerá, juntamente com seu Anjo da Guarda.
- Mas, como vou encontrar as respostas?
- Você será guiado para elas...
- Mas, por que devo procura-los?
- Concentre na sua pergunta e abra a bíblia.

Fiz isso, e quando abri, estava no evangelho de João 8:32 “conhecereis a verdade, e ela vos libertarás”. “Então este é o segredo”, pensei.

. . .

Este texto foi inspirado num sonho de Anjo, o qual ele sonhou com este xamã. Os detalhes deste sonho são parecidos com esta história. O objetivo dela, é estimular a busca pela verdade, quando nossos corações assim os deseja. Ouça sempre seu coração, ele é tua ligação direta com Deus.
Com Carinho Compartilho;
Anjo Guardião Branco.

3 comentários:

E.I.R. disse...

Namastê, nobre Irmão,

Assim como da primeira vez que li este texto, viajei por entre suas linhas, senti a atmosfera que tudo se passou e me arrepiei em certos momentos... rs. Obrigado por compartilhar tuas palavras, com certeza trarão a outros irmãos, assim como trouxeram para mim, reflexões sobre o verdadeiro caminho, a busca maior e mais sublime.

Temos individualidade, mas não somos desconectados do tudo, do Uno. Um é tudo, tudo é Um.

Fraternalmente,

Paz, Luz, Vida e Amor!

Anjo Guardião Branco disse...

Obrigado pelas palavras, nobre irmão. Todo o conhecimento deve ser partilhado, compartilhado, oferecido. Fico Honrado em saber que esta experiência pode trazer frutos não só para mim...

Luz e Paz, amor e Honra.

Anônimo disse...

Oie...

Realmete é dificil seguir caminhos que não sabemos onde darão. Surgem medos, aflições,inseguranças. Que bom que também surge uma força maior que te pega pelas mãos e enche a alma com confiança e seguimos em frente, pelo caminho certo!
Paz, luz, harmonia, amor estejam presentes!